sábado, 24 de dezembro de 2011

Rio+20: oportunidade para agir, mobilizar, organizar e resistir

Texto escrito em 22 de novembro de 2011.

Rubens Harry Born, Vitae Civilis – Instituto para o Desenvolvimento, Meio Ambiente e Paz ( www.vitaecivilis.org.br ) - rubens@vitaecivilis.org.br




“Jamais em toda a história da civilização, a humanidade se defrontou com

desafios de igual magnitude como os que hoje se apresentam”. Com essa frase,
o livro-manifesto doFBOMS - Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais
para o Meio Ambiente e Desenvolvimento - apresentava análises e propostas,
construídas de forma participativa para os debates que envolveram a realização
da Rio-92, também denominada de Cúpula da Terra (ou Conferência das Nações
Unidas para o Desenvolvimento e Meio Ambiente) . As análises desse manifesto,

lamentavelmente, são atuais, como retrata o seu seguinte trecho: “o modelo de
desenvolvimento hoje praticado na maior parte do mundo apóia-se sobre o
pressuposto fundamental de que a natureza é um objeto a ser dominado,
apropriado, transformado, comercializado, consumido e, finalmente, descartado”.

O debate sobre objetivos, modelos e formas do desenvolvimento não é novo.

Ao longo da história humana recente, produziram-se, como reflexo parcial desses
debates, a Declaração da ONU sobre Direitos Humanos (1948) e diversos
compromissos internacionais, nacionais e setoriais, inclusive em todas as
conferências da ONU que ocorreram após a Rio-92 para tratar de demografia,
segurança alimentar, cidades, mulheres, pobreza e desenvolvimento social.

Que diferenças no campo da implementação das promessas e dos direitos, por meio de

ações efetivas e transformadoras do modelo de desenvolvimento, poderá gerar a
Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável em 2012, a
Rio+20, cujo anunciado propósito é renovar compromissos políticos e fomentar

arranjos institucionais globais adequados para a transformação da economia
com vistas à superação da pobreza?

Quem são os atores fundamentais na transição e consolidação de formas de
convivência e bem-estar humano, que lidem também com os limites ecológicos
do planeta, face à grave crise que se evidencia com os impactos do aquecimento
global e das mudanças do clima? Como ampliar oportunidades de empregos
dignos e saudáveis em processos produtivos ambientalmente apropriados dos
diversos setores econômicos, sem perder de vista a valorização de iniciativas
comunitárias, locais e ou integradas?

Grandes conferências da ONU podem ter resultado de eficácia baixa ou de
lento cumprimento, quando se consideram também as políticas domésticas, a
assimetria de poder dos interesses em conflito, a fragilidade de mecanismos
institucionais, de caráter nacional ou internacional, entre outros. Certo
também que o contexto atual global não inspira perspectivas de decisões e
acordos relevantes na Rio+20. Mas isso não nos permite condutas de ingênua
tolerância e omissão.

O enfrentamento das crises financeira, ambiental e da pobreza requer
rupturas com elementos sistêmicos subjacentes ao ideário desenvolvimentista e
liberal que orientou o enfraquecimento dos Estados como meio de permitir maior
presença global de conglomerados econômicos, por um lado, e a submissão de
todos os aspectos da vida aos interesses comerciais e lucrativos, por outro.

A gravidade da crise climática também aponta para a necessidade urgente
de valorizar outras formas de se viabilizar energia, alimentos, mobilidade,
habitação, saneamento, emprego. Já não é mais suficiente a concepção de
reformas incrementais, em processos que com pequenas alterações graduais
seriam capazes de, ao longo do tempo, provocar as mudanças substanciais.
O passado não é mais a única referência; a nossa responsabilidade vincula-se
com o futuro, mas sem olvidar a necessidade de superar as injustiças sociais,
ambientais e políticas do presente.

Metas, meios e mobilização


Ora, se objetivos, razões e ações para o desenvolvimento sustentável já foram
apontados nas anteriores conferências da ONU e, no caso do Brasil, nas conferências
nacionais, na Agenda 21 brasileira, nos planos diretores participativos, etc, o
que se faz urgente e necessário. são metas mensuráveis e meios de implementá-las,
mediante instrumentos políticos e financeiros, além de avaliar continuamente as ações
e seus impactos e de acelerar a justa transição para novos padrões de consumo e
produção. Precisamos de ações que tenham também caráter sistêmico e transformador.

A Rio+20 surge como mais um cenário no qual diversos atores exercitarão sua
presença seja para mostrar a viabilidade de propostas pontuais ou de políticas
públicas mais amplas para a sustentabilidade, ou para manter privilégios por meio
de iniciativas “reformadoras” que embora geradoras de alguma eficiência ambiental
por si só não promovem a transformação sistêmica do modelo de desenvolvimento.
Governos e empresas devem ser pressionados pela sociedade, que enfim deve ter
a capacidade de, por meio da democracia, controlar o rumo e a qualidade

do desenvolvimento humano.

Múltiplas ações locais para ter repercussão global

Para ter significado global e futuro, a Rio+20 deve lidar com os dilemas da
dignidade da vida, no seu cotidiano, compreendidos em diferentes contextos e
localidades do mundo. Em uma era de redes sociais e amplas possibilidades de
comunicação, a sociedade poderá valer-se de ações locais e das praças públicas
no Rio de Janeiro ou em qualquer outro vilarejo para dizer seu “basta”;
reafirmar que precisamos “ir além das promessas”, que queremos ampliar o
alcance e ter o respaldo de políticas públicas para as milhares iniciativas que
comunidades, ONGs, sindicatos, universidades engendraram nessas últimas décadas
para conciliar a conservação ambiental, a geração de renda e a inclusão social.

Precisamos de ampla concertação social, de irmos além de nossa diversidade e
criar os mecanismos de governança adequados, nas várias esferas, para zelar
pela Vida e controlar a “economia e a política”. Funções para as quais se
criaram diversas redes e alianças na sociedade, e a partir delas, com foco na
Rio+20, o Comitê Facilitador da Sociedade Civil (www.rio2012.org.br).

Os 6 “R”

A estratégia de transformação do modelo de desenvolvimento requer combinar
medidas e ações de reparação (de injustiça e degradação), bem como
reordenação, ruptura e reconstrução de meios, tecnologias, critérios decisórios
e arranjos institucionais, fazendo-se também a devida requalificação (educação
para a cultura da sustentabilidade) das instituições e das pessoas, além da
resistência às tentativas de perpetuação de um modelo degradante.

Do ponto de vista mais tangível, penso que a Rio+20 deveria, para ser

relevante, permitir uma concertação que promova avanços nas seguintes áreas:

1. Governança global do desenvolvimento sustentável: decisão política para
mandato que permita obter até 2015 uma nova configuração de arranjos da ONU,
inclusive mediante:


(a) reestruturação do seu Conselho Econômico e Social, a fim de maior
eficácia dos programas de combate à pobreza, promoção do bem-estar
e superação da crise climática;

(b) fortalecimento da governança ambiental, que inclui a valorização do
PNUMA - Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, e a adoção de
mecanismos de sanções às empresas e governos que não cumprirem padrões
e normas multilaterais apropriadas;

(c) a incorporação nos desenhos institucionais e procedimentos da ONU
de mecanismos de participação efetiva de organizações da sociedade civil,
superando meras consultas e diálogos, nas decisões internacionais, valendo-se
das lições do modelo da OIT – Organização Internacional do Trabalho, entre outras.
A Rio+20 deveria também apontar que condições de transparência e
responsabilidade de instituições financeiras multilaterais, junto à ONU ou
junto aos governos e às comunidades locais, deveriam prevalecer no marco da
transição para a sustentabilidade socioambiental da nova economia.

2. Aprovação, para entrar em vigência até 2015, de taxa sobre transações no mercado
financeiro internacional, e a alocação de tais recursos, sob um sistema de governança
multilateral e transparente não exclusivamente de governos, para programas públicos e
ações voltadas ao enfrentamento das crises climática e da pobreza, bem como para a
segurança alimentar, habitacional e sanitária das populações mais vulneráveis.
Simultaneamente, uma decisão de eliminação gradativa, em no máximo uma década,
de subsídios aos combustíveis fósseis.

3. Ampliação dos mecanismos multilaterais da ONU, com a abertura de

negociação e conclusão, antes de 2015, de acordo(s) legalmente vinculante(s)
e meio(s) de cumprimento:

(a) do direito à informação e acesso à Justiça, conforme Princípio da Declaração

do Rio de Janeiro-92;

(b) para a internalização do princípio da precaução ambiental, especialmente,

nos meios comerciais e financeiros internacionais e locais;

(c) normas legalmente vinculantes de responsabilidade social e transparência das
corporações, e

(d) para a adoção de parâmetros e indicadores de bem estar e de sustentabilidade,
superando os atualmente disponíveis (IDH, PIB, etc.).

4. Apoiar técnica e financeiramente organizações governamentais e da
sociedade para a retomada do planejamento estratégico de médio e longo
prazo, de tal forma que planos e programas governamentais e privados

de curto prazo possam ser benéficos à transição para a sustentabilidade e
para um mundo de baixa emissão de gases de efeito estufa. Isso requererá
também a criação, em escala global, de sistema de referências e painel com
a participação decientistas (com base nas lições do modelo do IPCC, do Panorama
Ambiental Global - GEO ou da Avaliação Ecossistêmica do Milênio), como órgão
independente e em diálogo com instâncias da ONU, para as avaliações contínuas
e permanentes quanto à consecução de metas de desenvolvimento sustentável,
de integridade ambiental e de justiça social.

5. Criação de programas, entre 2012 e 2020, com metas para ampliar empregos
decentes em atividades ambientalmente corretas em setores estratégicos para a
segurança alimentar e hídrica, para habitações e mobilidade urbana menos
poluentes, para a geração e uso de energias renováveis em bases sustentáveis,
especialmente solar e eólica. Incluem-se os programas de compras públicas
sustentáveis e a indicação de setores e regiões prioritárias para a geração de
oportunidades de empregos “verdes”.

No campo das iniciativas da sociedade civil, a Cúpula dos Povos e outros
importantes eventos antes e durante a Rio+20 deveriam inspirar a articulação, a
mobilização, a organização de iniciativas, em curso ou que venham a ser
deflagradas, para a necessária e pacífica revolução: a da criação de sociedades
sustentáveis. Fundamental também fomentar a solidariedade e a identificação de
potenciais sinergias nesse diverso campo para ir além das ações já realizadas.

Não partiremos do zero. Há um grande número de iniciativas que emergem da
sociedade e que mobilizam grupos variados em torno de princípios da sustentabilidade
socioambiental, da democracia e da cidadania. É preciso iluminar tais experiências,
alavancá-las com políticas e instrumentos adequados, ganhar escala, e paralelamente
fazer a transição daquelas atividades econômicas, institutos e tecnologias incompatíveis
com sociedades sustentáveis.






terça-feira, 20 de outubro de 2009

Mudanças de clima: hipocrisia e verdades inconvenientes

Mudanças climáticas e verdades inconvenientes: é hora de acabar com a hipocrisia e agir seriamente, nas negociações internacionais e no Brasil

Texto de Rubens Harry Born, do Vitae Civilis Instituto para o Desenvolvimento, Meio Ambiente e Paz ( www.vitaecivilis.org.br , que há 18 anos acompanha as negociações internacionais em mudança de clima.


Aproxima-se a 15ª Conferência das Partes (CoP-15) da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança de Clima e a 5ª Reunião das Partes do Protocolo de Quioto, que acontecerão em Copenhague, em dezembro de 2009, momento no qual se espera sejam tomadas decisões políticas importantes para reorientar as atividades econômicas e sociais, a fim de reverter o aquecimento global e as mudanças de clima. Enquanto cientistas, ambientalistas e ativistas de diversos movimentos sociais e grupos da sociedade civil reiteram suas demandas por políticas e ações robustas, efetivas e urgentes para lidar com as causas antrópicas e com os efeitos das mudanças de clima e com o atendimento de princípios de justiça, direitos humanos e equidade, continuamos a presenciar o jogo de forças poderosas que se valem de argumentos e estratégias diversos para evitar a alteração dos paradigmas e modelos de desenvolvimento.

Esse é o primeiro paragrafo. Leia o texto completo em http://www.vitaecivilis.org.br/default.asp?site_Acao=mostraPagina&paginaId=2305 .




Uma versão editada do texto foi publicada no jornal Le Monde Diplomatique, de junho de 2009